O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE/MS) já formou maioria para negar recurso ao PDT e PSDC e manter o mandato da prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP), e sua vice, Camilla Nascimento (Avante).
Quatro dos sete magistrados negaram recurso:
Alexandre Antunes – votou não
Marcio D’Avila – votou não (disse que não há provas da participação de Adriane e Camilla)
Sérgio Fernandes- votou não (pontuou a fragilidade de provas e depoimentos e não enxergou participação de Adriane e Camilla
Vitor Luís Oliveira Guibo – votou sim (citou depoimento de testemunha que afirmou ter recebido R$ 1,2 mil.
Carlos Alberto Almeida – votou não
PDT e PSDC recorreram ao TRE contra decisão do juiz eleitoral Ariovaldo Nantes Corrêa, que absolveu prefeita e vice na denúncia de abuso do poder político e econômico na campanha. Eles pediram a cassação do mandato, com esperança de nova eleição para Capital.
PDT e PSDC alegaram que era constante a presença da prefeita Adriane Lopes em cultos religiosos, onde tinha a oportunidade de falar aos fiéis com o aval dos líderes, influenciando indiretamente na autodeterminação dos indivíduos.
Na terça-feira passada, o juiz Márcio de Ávila Martins Filho pediu vistas e adiou o julgamento para hoje. O relator do processo, Alexandre Antunes da Silva, foi o primeiro a votar e foi contra a cassação, por entender que não há uso de palavras mágicas na participação de Adriane nos cultos, bem como prova de captação ilícita de sufrágio. Em seguida, Ávila Pediu vistas.
Começo do julgamento
Na semana passada, o advogado da acusação, Newley Amarilha, iniciou a fala solicitando a reprodução de um vídeo de uma testemunha, do Portal Caiobá, que afirma ter recebido dinheiro para comprar votos, o que teria se repetido no segundo turno.
Newley citou decisão de primeiro grau que disse não haver prova “cabal” de compra direta de Adriane e Camilla. Ele pontuou que a palavra “cabal” não está na lei e que não há dúvidas de que houve compra de votos. “As testemunhas confirmaram: vendi meu voto e recebi dinheiro para passar para outras pessoas”, afirmou.
O advogado José Eduardo Rangel de Alckmin, também de acusação, citou a capacitação de sufrágio, alegando que no caso houve compra de votos e indícios veemente de que era de conhecimento ou anuência da candidata.
Alckmin lembrou de casos de outros políticos que foram condenados por conta de indícios. Ele citou decisão do ministro Barroso, onde cita como relação direta o local onde foi realizada a compra e envolvimento de pessoas ligadas a candidato, pontuando que dinheiro saiu do gabinete da prefeitura.
O advogado de defesa, Alexandre Ávalo, falou da preocupação com ilação, informação rasa e não aprofundada. Comparou a situação a um oceano com um metro de profundidade.
O advogado de defesa citou decisão de primeiro grau que pontuou não haver abuso de poder econômico, pois não ficou comprovada participação direta ou indireta, bem como documento que comprove participação de Adriane e Camilla.
Ávalo pontuou o fato de o caso envolver uma eleição para uma Capital. Destacou depoimento de uma das pessoas que acusaram a compra, afirmando que dias antes da eleição pedia votos para a adversária de Adriane, Rose Modesto (União). No entendimento do advogado, capacitação de sufrágio exige prova, o que não há nos autos.
O procurador Luiz Carlos Mantovani afirmou que provas e fatos são públicas e salientou que a prática de compra de votos ficou evidenciada na própria decisão de primeiro grau, onde cita testemunhas que confessaram ter recebido dinheiro participar de reunião, bem como vender voto.
No entendimento do procurador, o entendimento da defesa beira a ingenuidade, por acreditar que Adriane e Camilla não tinham conhecimento dos fatos liderados por seus servidores.
O caso
Na avaliação dos denunciantes, houve a formação de uma ramificada rede de campanha dentro das igrejas, por meio da cooptação de pastores evangélicos como verdadeiros cabos eleitorais – alguns desses incluídos na folha de pagamento da Prefeitura – subvertendo a liberdade de escolha dos eleitores evangélicos e fragilizando os pilares democráticos.
“Ocorreu a disseminação da tônica do bem contra o mal pelos apoiadores das investigadas – comportamento reprovável que tipifica ato material de abuso de poder político e econômico a partir do viés religioso. Ocorreu a nomeação de líderes religiosos em cargos públicos com remunerações elevadas, a utilização de recursos estatais para angariar apoio político e a estruturação de eventos de grande magnitude em templos religiosos, muitas vezes financiados indiretamente por fundos públicos ou isenções fiscais, revelando uma simbiose entre o abuso de poder religioso e o abuso de poder”, denunciou.
Os denunciantes sustentaram que a nomeação de pastores em cargos comissionados não apenas desequilibrou a disputa eleitoral, mas também feriu os pilares democráticos ao utilizar recursos e estruturas públicas para influenciar a fé e o voto, em clara afronta à igualdade entre os candidatos, em uma estratégia deliberada de abuso de poder religioso, que deve ser reconhecida e repudiada pela Justiça Eleitoral.
Os partidos ainda denunciaram possível compra de voto, com variação de R$ 50,00 a R$ 100,00 por eleitor (podendo ser até maior se um mesmo eleitor participasse de mais de um tipo de ato (comparecer em reunião política ou promover a adesivagem do veículo).
Defesa de Adriane e Camilla
Adriane e Camilla justificaram ausência de previsão legal para a figura do abuso religioso, além de inadequação da via eleitoral por ausência de alegação de prática de condutas vedadas, bem como a inexistência de abuso de poder político e econômico por víeis religioso.
“Sob a ótica do abuso do poder econômico, os representantes não trouxeram prova capaz de caracterizar o ilícito apontado; os representantes não apresentaram uma prova sequer que pudesse caracterizar eventual doação recebida pelas representadas de entidade religiosa ou realização de propaganda eleitoral em bem de uso comum (igreja) e muito menos algum ilícito disposto na resolução apontada; os representantes querem ligar os atos religiosos praticados por Adriane Lopes a atos políticos, mas todos os atos praticados frente a sua comunidade cristã são legais e não tiveram conotação política, além de que são os mesmos praticados pela então candidata Rose Modesto em sua comunidade evangélica”, defendeu.
A defesa pontuou que o apoio político de pastores, os quais são livres para apoiarem qualquer candidato, e a nomeação de alguns deles na administração pública, nada provam em relação ao abuso de poder apontado pelos representantes, ficando evidente a tentativa de reverter a decisão das urnas de maneira ilegal e antidemocrática.
“Apesar de os representantes falarem muito em apoio político dos pastores mencionados, deixaram de demonstrar o alegado abuso de poder econômico e religioso dentro das igrejas que pudesse ser considerado grave a ponto de levar a cassação, não havendo prova de pedido expresso de voto nos cultos, bem como se a participação da candidata nos eventos teve fins eleitoreiros, sendo que a mera menção a apoio político não se confunde como abuso de poder; – para que se caracterize o abuso de poder, deve haver a comprovação segura e robusta da gravidade dos fatos, além de sua significativa repercussão no desequilíbrio do pleito, provas estas que ficaram muito longe de serem demonstradas”, rebateram.
Decisão de primeira instância
O juiz Ariovaldo Nantes ressaltou não ser possível comprovar que o fato de Adriane Lopes haver se apresentado com frequência dentro das igrejas durante o período de campanha, ao lado de líderes religiosos, tenha feito parte uma estratégia para condicionar, ainda que indiretamente, o voto do público evangélico, mesmo porque, como revelado na própria inicial, a requerida frequenta tais ambientes religiosos há mais de 20 anos.
O mesmo argumento foi considerado sobre questionamentos da nomeação de pastores. “No tocante à nomeação de alguns pastores evangélicos na administração da requerida Adriane Lopes, em torno de onze, não implica, como tenta fazer crer os requerentes, na formação de uma rede de influência dentro do meio evangélico para desequilíbrio do pleito e consolidação da posição dela no cargo de prefeita da cidade, pois, conforme mencionado na própria inicial, a requerente frequenta a mesma igreja evangélica há mais de 20 anos e é natural que membros dessa mesma igreja com quem tenha construído relações estejam entre aqueles nomeados para comporem sua administração, mesmo porque foram designados para cargos de confiança, não se mostrando tal situação como abuso ou algo ilícito, sendo algo comum a cada mudança de gestão e de gestores públicos”.
No entendimento de Ariovaldo Nantes, a suscitada conexão entre o abuso religioso e o abuso econômico também não restou suficientemente demonstrada nas alegações e provas apresentadas, uma vez que não há nos autos elementos aptos a demonstrarem a mobilização de valores expressivos na contratação de um número limitado de pastores em cargos públicos e na realização de eventos religiosos ou políticos. “Destarte, em razão dos argumentos expostos, julgo improcedentes os pedidos formulados nesta ação de investigação judicial eleitoral”.
Possível compra de votos
O juiz determinou que fossem extraídas cópias dos autos e encaminhadas para autoridade policial investigar possível crime de compra de votos, mas não culpou Adriane e Camilla pelos atos.
Noma visão de Ariovaldo, examinando-se as provas produzidas, restou demonstrada a compra de votos (ou a promessa de) em favor da candidatura de Adriane e Camilla, comprovada durante testemunhos de duas mulheres. Entretanto, analisou que não foi possível comprovar a participação delas no caso.
Apesar dos relatos, o juiz ponderou que não restou cabalmente demonstrado nos autos a participação (direta ou indireta) ou a anuência delas, na condição de beneficiárias, nos ilícitos, sendo tal prova imprescindível para que se possa concluir que elas incorreram também no referido crime e merecem a sanção de inelegibilidade estabelecida no artigo 22, XIV, da LC nº 64/1990 por abuso de poder econômico”.
O juiz salientou que, embora a captação ilícita de sufrágio mereça a devida reprovabilidade por aqueles que na mesma incorreram, não houve na hipótese a quebra de isonomia do pleito capaz de atrair a cassação dos diplomas.
“Embora beneficiárias do ato, não houve a quebra da normalidade e legitimidade do pleito, tendo em conta a diferença de votos entre as candidatas que concorreram no 2º turno das eleições municipais e a potencialidade da conduta levada a efeito com a apontada compra de voto. Não cabe também a declaração da inelegibilidade das investigadas como querem os requerentes, uma vez que não houve conduta concreta e individualizada delas no respectivo ilícito eleitoral. Com efeito, não há qualquer indicação da participação, seja direta ou indireta, das requeridas na eventual compra de votos, ainda que beneficiárias de tal conduta”, concluiu.
Parecer da Procuradoria no TRE
O procurador regional eleitoral, Luiz Gustavo Mantovani, deu parecer favorável ao recurso no TRE.
O procurador compreendeu que, de todo o conjunto analisado, os elementos produzidos não corroboram para a alegação de que as investigadas tenham atuado com abuso do poder religioso (tópico 1), sendo forçosa a manutenção da sentença nesse aspecto.
Por outro lado, avaliou que o conjunto probatório permite concluir que a atuação de Adriane e Camilla, no decorrer da campanha eleitoral de 2024, caracteriza-se pela captação ilícita de sufrágio.
“As provas amealhadas pela instrução processual, dessa forma, eliminam eventuais dúvidas razoáveis de que ADRIANE LOPES efetivamente conhecia o fato de que pessoas do seu gabinete e da sua campanha eleitoral (assessores e coordenadores informais), inclusive dentro de seu comitê de campanha, estariam promovendo compra de votos em bairros da periferia da capital, ou de que essas pessoas agissem sem o seu consentimento. Nos termos declarados judicialmente pela testemunha Sebastião Marins Vieira (ID 12617731 a ID 12617732): “a compra de votos foi escancarada; Que, ‘infelizmente, foi feio o negócio”.
O procurador pontuou tratar-se de evidente reprovabilidade ética das condutas, da mais alta perniciosidade e de efeitos deletérios para o tecido social da política e da sociedade brasileira quanto à repulsiva mácula da corrupção, bem como da necessidade de eventual responsabilização individual de cada indivíduo citado nas diversas esferas independentes, com gravidade de, por si só, macular a legitimidade e normalidade da disputa eleitoral e desfigurar a igualdade da competição”.
Mantovani concluiu que merece parcial reforma a sentença que julgou improcedente a ação e deu voto favorável à ação que pede cassação dos mandatos por captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, bem como a inelegibilidade das investigadas para as eleições a se realizarem nos 08 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou o abuso acima narrado, nos termos do art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90; multa eleitoral, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.
*com informações de InvestigaMS