Decisão do STF desconsidera série de delações, confissões e documentos sobre papel central de Youssef em esquema de corrupção bilionário
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira (15) anular todos os atos da Operação Lava Jato contra o doleiro Alberto Youssef, pivô de um dos maiores escândalos de corrupção da história do Brasil. A medida também invalida todas as determinações do ex-juiz Sérgio Moro no caso, sob o argumento de que houve conluio entre o magistrado, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF).
Segundo Toffoli, o processo contra o doleiro tinha “cartas marcadas” e violou o direito à ampla defesa e ao contraditório. “A parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba extrapolou todos os limites”, afirmou.
Mas a decisão ignora um conjunto robusto de provas, confissões e depoimentos espontâneos do próprio Youssef, que reconheceu em diversas ocasiões sua participação ativa no esquema de corrupção envolvendo grandes empreiteiras e políticos de vários partidos.
O que o próprio Youssef confessou
Desvio de milhões e cartel de empreiteiras
Em depoimento à Justiça Federal em 2015, Youssef afirmou ter arrecadado entre R$ 150 e R$ 180 milhões com os crimes cometidos. Ele relatou que R$ 8 milhões ficaram com ele, e o restante foi distribuído entre os integrantes do esquema. Segundo ele, o cartel de empreiteiras envolvia inicialmente 16 empresas, que depois se expandiram, todas com o mesmo objetivo: vencer licitações na Petrobras com o pagamento de propina.
“Praticamente todas as empresas desse mercado participavam”, disse o doleiro. Ele também afirmou que o pagamento de propinas era sistemático: se alguma empresa se recusasse a pagar, era automaticamente excluída dos contratos com a estatal.
Pagamentos para vários partidos
Em depoimento à CPI da Petrobras, Youssef confirmou que movimentou entre R$ 180 e R$ 200 milhões em propinas e lavagem de dinheiro. Ele declarou que operava para o PP, mas também realizou operações para PT, PMDB, PSB e que a empreiteira Queiroz Galvão fez pagamentos ao PSDB para abafar investigações parlamentares.
Doleiro pediu desculpas ao país
Youssef reconheceu o crime, chorou durante a CPI e pediu desculpas à própria família e à sociedade. “Não fui o mentor, mas uma engrenagem nesse processo”, disse. Além disso, detalhou operações com nomes de outros envolvidos como Fernando Baiano, Júlio Camargo e o ex-policial Jayme Alves de Oliveira Filho. Em outro trecho, afirmou que o pagamento de propina tinha até o objetivo de “evitar requerimentos parlamentares de investigação”, citando Eduardo Cunha diretamente.
As contradições da decisão
Ao anular os atos da Lava Jato contra Youssef, Toffoli desconsidera que o doleiro nunca alegou ter sido coagido, perseguido ou manipulado por Moro, pelo MPF ou pela PF. Ao contrário, ele negociou acordos de delação premiada, reafirmou voluntariamente todos os fatos em diferentes instâncias (Justiça Federal, CPI, imprensa) e reconheceu culpa mais de uma vez, com detalhes e nomes.
A anulação também cria um efeito cascata: sem os atos processuais válidos contra Youssef, há risco de outras condenações e delações derivadas também serem questionadas, o que pode favorecer centenas de outros réus da Lava Jato mesmo os que jamais foram acusados de terem sofrido qualquer violação processual.
Quem é Toffoli: o “amigo do amigo do meu pai”
A alcunha de “amigo do amigo do meu pai” surgiu em 2007, em um e-mail enviado por Marcelo Odebrecht a dois executivos da empreiteira. Na mensagem, ele pergunta:
“Afinal, vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?”
A expressão se refere, segundo delações da Odebrecht, ao então chefe da AGU no governo Lula, Dias Toffoli, amigo do ex-presidente, que por sua vez era o “amigo do pai” (Emílio Odebrecht). A mensagem envolvia uma das obras mais caras e recheadas de propina da Lava Jato: a Usina de Santo Antônio, com mais de R$ 100 milhões em pagamentos ilegais.
A revelação feita pelo site Crusoé e O Antagonista em 2019 levou o ministro Alexandre de Moraes a determinar censura às reportagens, sob alegação de que os documentos não tinham base factual. A decisão gerou duras críticas da sociedade civil e da imprensa por ferir a liberdade de expressão.
Toffoli, à época, negou qualquer relação com a Odebrecht e disse desconhecer o motivo da referência. Marcelo Odebrecht, em novo depoimento à PF, disse que apenas o ex-diretor jurídico da empreiteira poderia explicar o teor da conversa, mas nunca desmentiu a referência ao ministro.
Conclusão: impunidade respaldada por tecnicalidades
A decisão de Toffoli acena a um revisionismo que não busca corrigir excessos da Lava Jato, mas apagar provas sólidas com base em supostos vícios processuais. O problema é que, neste caso, os vícios não foram apontados por quem mais tinha a perder: o próprio Youssef, que colaborou com a Justiça, confessou crimes gravíssimos, pediu perdão público e reafirmou tudo várias vezes.
Anular seus processos agora é mais do que um contrassenso jurídico — é uma concessão à impunidade, feita por um ministro que já esteve nos bastidores do poder, com conexões políticas expostas até mesmo em delações de empreiteiras envolvidas no esquema que ele hoje desmantela.








