Um episódio que remonta a novembro de 2011 voltou à tona após o afastamento do desembargador Cairo Ítalo França David, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), por decisões consideradas favoráveis a líderes do tráfico. Em plena blitz da Lei Seca, o magistrado chegou a dar voz de prisão a um policial militar que participava da operação.
A abordagem e o confronto
Conforme reportado à época, o veículo oficial que transportava o desembargador foi abordado por agentes da Lei Seca na Avenida Princesa Isabel, em Copacabana, Zona Sul do Rio. O carro era dirigido por um tenente do Corpo de Bombeiros cedido ao Tribunal, que se recusou a realizar o teste do bafômetro quando solicitado pelos fiscais. Foi quando iniciou-se a tensão: cobraram que entregasse os documentos do veículo; ele não atendeu; o desembargador, então, teria desembarcado e exigido que a fiscalização não fosse aplicada ao veículo, sob argumento de autoridade.
Segundo relatos da Secretaria Estadual de Governo, os agentes informaram que o bombeiro não estacionou o veículo em local apropriado até ser bloqueado por viatura da polícia. Ao insistir com a recusa, o magistrado interveio com severidade e deu voz de prisão a um dos policiais da blitz — ato que levou o caso à 13ª Delegacia de Polícia, em Copacabana.
A investigação e o desfecho à época
Após o procedimento, o delegado responsável ouviu o desembargador, o policial militar e o motorista. Concluiu-se que não houve abuso de autoridade por parte dos agentes da blitz, e o policial militar foi liberado. O carro foi rebocado e o motorista do desembargador multado pela negativa ao teste do bafômetro e pela falta de apresentação dos documentos requisitados.
À imprensa, Ítalo classificou a Lei Seca como “inconstitucional e equivocada”, afirmando que os agentes faziam abordagens aleatórias, muitas vezes sem indicativo de consumo de bebida alcoólica. Em seu entendimento, a fiscalização recairia sobre veículos de maior valor porque os condutores teriam condições de arcar com multas e reboques, configurando abusividade no uso da operação como instrumento arrecadatório.
O contexto atual e o vínculo com decisões judiciais
O episódio, antes esquecido no passado, ganhou nova escala de relevância após o desembargador ser afastado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2025, em razão de decisões judiciais que beneficiaram líderes de organizações criminosas. A reviravolta no passado do magistrado lança luz sobre sua conduta institucional e questiona sua postura frente às instituições de segurança pública.
À luz dessa nova acusação e dos julgamentos que culminaram no afastamento, o caso da blitz da Lei Seca passa a ser reavaliado não apenas como um conflito pontual entre poder e autoridade policial, mas como parte de um padrão de atuação que envolvia excesso de prerrogativas judiciais e possível favorecimento de grupos criminosos.
Implicações para a magistratura e para a segurança pública
Este episódio reverbera no debate sobre os limites da autoridade judicial e os mecanismos de controle sobre magistrados. Quando uma instância do Judiciário interfere diretamente em operações de segurança pública — que dependem de hierarquia e cadeia de comando —, cria-se um ambiente de desequilíbrio institucional.
O ocorrido também reforça preocupação quanto à impunidade e à cultura da “carteirada”, em que o poder judicial pode sobrepor-se às normas aplicáveis a qualquer cidadão. Que um magistrado possa mandar prender um policial em serviço, sob o manto de prerrogativa, é um sinal de alerta para fragilidades nos sistemas de fiscalização interna e externa do Judiciário.
Enquanto as repercussões do afastamento seguem se desenhando, essa história incômoda retorna para provocar reflexão: até onde vai o poder de um magistrado, e em que momento sua autoridade se torna abuso?








